quinta-feira, setembro 29, 2011

ARTE DE VIVER


Apresentou-se à porta do convento um médico interessado em tornar-se frade. O prior encarregou o mestre de noviços de atendê-lo.
― Caro doutor – disse o mestre – o prior envia-lhe esta lista de perguntas. Pede que tenha a bondade de respondê-las de acordo com os seus doutos conhecimentos.
O jovem médico, acomodado no parlatório, tratou de preencher o questionário. Em menos de uma hora devolveu-o ao mestre. Este levou o papel ao prior e retornou quinze minutos depois:
― O prior reconhece que o senhor demonstra grande conhecimento e erudição. Suas respostas são brilhantes. Por isso pede que retorne ao convento dentro de um ano.
doutor estampou uma expressão de desapontamento:
― Ora, se respondi corretamente todas as questões – objetou – por que retornar dentro de um ano? E se eu tivesse dado respostas equivocadas, o que teria sucedido?
― O senhor teria sido aceito imediatamente e, na próxima semana, já estaria entre os noviços.
― Então, por que devo retornar em um ano?
― É o prazo que o prior considera adequado para que o senhor possa desaprender conhecimentos inúteis.
― Desaprender? – surpreendeu-se o médico.
― Sim, desaprender. Entrar na vida espiritual é como empreender uma viagem: quanto mais pesada a bagagem, mais lentamente se cobre o percurso. Na sua há demasiadas coisas substantivamente inúteis.
E o doutor partiu sob promessa de retornar dentro de um ano, o que de fato sucedeu.
Assim como há escolas e cursos para aprender, deveria também existir para ensinar a desaprender. Quantas importantes inutilidades valorizamos na vida! Quantos detalhes sugam nossas preciosas energias e consomem vorazmente o nosso tempo! Quantas horas e dias perdemos com ocupações que em nada acrescentam às nossas vidas; pelo contrário, causam-nos enfado e nos sobrecarregam de preocupações.
Precisamos desaprender a considerar os bens da natureza produtos de uso próprio, ainda que o nosso uso perdulário se traduza em falta para muitos. Desaprender a valorizar um modelo de progresso que necessariamente não traz felicidade coletiva e uma economia cuja especulação supera a produção. Desaprender a olhar o mundo a partir do próprio umbigo, como se o diferente merecesse ser encarado com suspeita e preconceito.
O desaprendizado é uma arte para quem se propõe a mudar de vida. Nessa viagem, quanto menos bagagem e mais leveza, sobretudo de espírito, melhor e mais rápido se alcança o destino. Vida afora, carregamos demasiadas cobranças, mágoas, invejas e até ódios, como se toda essa tralha fizesse algum mal a outras pessoas que não a nós mesmos.
O que nos encanta nas crianças com menos de cinco anos é a interrogação incessante, o interesse pela novidade, o espírito despojado. Era isso que sinalizou Jesus quando alertou a Nicodemos ser preciso nascer de novo, sem retornar ao ventre materno, e tornar-se criança para ingressar no Reino de Deus.
O médico candidato a noviço comprovou ser bem informado, mas ignorava a distinção entre cultura e sabedoria. Soube elencar as mais célebres telas da pintura universal, sem, no entanto, ter noção do que significam e por que o artista fez isto e não aquilo. Conhecia todas as doenças de sua especialidade, sem a devida clareza de como se relacionar com o doente.
A humanidade não terá futuro promissor se não desaprender a promover guerras e a considerar a pobreza mero resultado da incapacidade individual. Urge desaprender a valorizar o supérfluo como necessário e a ostentação como sinal de êxito. Desaprender a perder tempo com o que não tem a menor importância e se dedicar mais nos cuidados do corpo que do espírito.
A vida espiritual é um contínuo desaprender de apegos e ambições, vaidades e presunções. A felicidade só conhece uma morada: o coração humano. Eis aí milhões de viciados em drogas a gritar a plenos pulmões terem plena consciência de que a felicidade resulta de uma experiência interior, de um novo estado de consciência. Como não aprenderam a abraçar a via do absoluto, enveredaram pela do absurdo.
E convém aprender: no amor mais se desaprende do que se aprende, arte de viver na fé do que ainda não se viu, no silêncio do que nunca se ouviu.

quarta-feira, setembro 28, 2011

A DILMA NÃO É EVA, É A SERPENTE


Se na Esplanada dos Ministérios a “faxina” de Dilma Rousseff passa a ideia de rigor contra a corrupção, na relação do governo federal com estados e municípios, a "presidenta" acaba de emitir um sinal inverso. Dilma vetou do texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) um dispositivo que se destinava a evitar irregularidades e desvios nos convênios da União com as prefeituras e os governos estaduais. Ela retirou da LDO a exigência de que todos os governos estivessem com as prestações de contas em dia para receberem mais dinheiro do orçamento da União. Os problemas nas prestações de contas podem ser sinais de uso irregular ou até desvio de verbas públicas.
Ou seja, ou não prestaram contas sobre se usaram corretamente o dinheiro, ou fizeram isso fora do prazo, não apresentaram documentos exigidos, ou eram investigados por tomadas de contas. Até hoje, os repasses continuam sendo feitos.
O Ministério do Planejamento, que orientou o veto de Dilma, disse que o objetivo do governo federal não foi “afrouxar” regras de combate à corrupção, mas garantir a continuidade das políticas públicas, para não prejudicar a população, principalmente a mais carente. A oposição não perdoa. “A presidente quer dizer para os aliados que eles podem roubar”, critica o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM), autor do mecanismo vetado pelo Palácio.
Para fazer os repasses de dinheiro, considerados ilegais pelas Consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado, o governo se valeu da diretriz 2/10 do Ministério do Planejamento, publicada às vésperas das eleições. Pela norma, se a Secretaria de Transportes de uma cidade ou governo está “suja” porque não prestou contas das verbas recebidas, as outras secretarias podem continuar a receber verbas. O prefeito pode criar, por exemplo, a Secretaria de Mobilidade Urbana e tocar novas obras, apesar de um superfaturamento na empreitada anterior.
Lei de Responsabilidade Fiscal
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada pelo Congresso neste ano queria deixar claro que isso já é proibido por lei – no caso, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Por isso, foi incluído no texto orçamentário um artigo obrigando que a verificação de adimplência do estado e do município seja feita em todas as secretarias – e não apenas naquela que vai receber o dinheiro. Continuaria valendo a exceção para as áreas de educação, saúde e assistência, como prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal, para que as restrições não prejudiquem os serviços essenciais à população.
Mas Dilma vetou o mecanismo de prevenção a novos desvios de recursos. Após parecer dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento, a presidenta da República justificou que “a maioria dos entes da Federação” tem problemas e não poderia pedir dinheiro para convênios com a União. A assessoria do Planejamento disse ignorar quantos são os governos e prefeituras impedidos de receberem dinheiro por inadimplência de alguma de suas secretarias.
Dilma alegou que a medida inviabilizaria as políticas públicas, o que prejudicaria a população. No entanto, a LRF já exclui as áreas sociais mais sensíveis, como enfatizaram os chefes das Consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado, Wagner Primo Júnior e Orlando de Sá Neto, em nota técnica que analisou todos os quase 40 vetos da presidente. “Os vetos atingiram importantes dispositivos relacionados à transparência da peça orçamentária”, disseram os especialistas no documento.
Como eles entendem que a medida apenas confirma o que já está em lei, Primo e Sá Neto, dizem que a Lei de Responsabilidade Fiscal está sendo desrespeitada e, mesmo com o “não” de Dilma, é preciso fazer a checagem minuciosa de todas as prestações de contas.
Não há previsão de data para que deputados e senadores se reúnam e, em sessão do Congresso, apreciem o veto presidencial. Essa sessão deliberativa, temem oposicionistas, pode acabar sendo empurrada para o próximo ano pela ampla maioria governista tanto na Câmara quanto no Senado.
Retórica
O deputado Pauderney disse que a disposição de Dilma contra a corrupção é mera retórica. “A presidente tem dois ou três discursos. O primeiro é para a opinião pública – e, aí sim, ela gosta que a imprensa fale de faxina. O outro discurso é para a base aliada dela, e aí ela diz que não é faxina o que ela está fazendo, que faxina seria uma coisa tópica”, disse o oposicionista. Ele acrescentou que Dilma deixa a “esfera prática” ao decidir vetar uma emenda “que permitiria que a moralidade pública fosse exercida”.
Segundo Pauderney, a gestão da presidenta repete a tolerância do governo Lula em relação à malversação de dinheiro público e à corrupção. “Ela tirou da lei a vedação de que era proibido roubar. Nós já flagramos algumas vezes o Executivo repassando recursos para estados e municípios inadimplentes, burlando a norma legal”, emendou o deputado, garantindo que seu partido reagirá ao veto.
“Já estamos conversando sobre esse tema com o Tribunal de Contas da União. Temos de buscar um caminho, nem que seja trazer para a tribuna, ir ao Ministério Público, ir à Justiça Federal, fazer ação civil pública. Nesse caso, há uma ação realmente orquestrada entre os ministérios e até o próprio Congresso Nacional. São os órgãos da administração federal contribuindo para a corrupção”, concluiu.
Ações judiciais
Em nota, o Ministério do Planejamento disse que a motivação do veto foi evitar prejuízos à sociedade. “A medida geraria prejuízos à população, especialmente a mais carente, e um aumento das ações judiciais para cancelar os registros de inadimplência.”
No ano passado, foi localizado alguns governos estaduais que alegaram receber recursos públicos mesmo inadimplentes por força de decisão judicial. Para exemplificar isso, o Planejamento citou uma ação cautelar movida por vários estados no Supremo Tribunal Federal contra a União que lhes garantiu o repasse de dinheiro.
Entretanto, a decisão do STF se refere a um governo com problemas por causa de uma empresa estatal ou autarquia – a chamada administração indireta. A medida vetada por Dilma refere-se a secretarias de estados e prefeituras, a chamada administração direta.
O Planejamento não respondeu se, embora motivado por não prejudicar a população, o veto não teria o efeito colateral de fomentar a corrupção. A assessoria disse que não era de sua competência comentar o conteúdo do veto.
Obrigação
Depois de afastar por suspeitas de corrupção e irregularidades ministros e diretores dos setores de Transportes, Turismo e Agricultura, Dilma passou a desprezar o termo “faxina”, para não causar atritos com sua base aliada. Disse que combater a corrupção não é “meta”, mas “obrigação” de um governo, já que a prioridade sempre será acabar com a miséria.
A Casa Civil da Presidência da República disse que não comentaria o caso, sob o argumento de que o assunto diz respeito às ações do Planejamento. O Ministério da Fazenda, que também orientou o veto, não prestou esclarecimentos.
Como em todo paraíso não há perfeição, nesse país abençoado por Deus, temos nossa anaconda, uma perigosa víbora feroz pela ganância e traiçoeira por natureza do orgulho, existe veneno em suas palavras e engano no seu encanto,contém mentiras no seu discurso. Dilma não me encanta, nunca me enganou, esta envenenando meu povo e iludindo muitas mulheres, Dilma não é Eva ela é a serpente do meu paraíso.
 QUE DÓ!

DIVIDA EXTERNA


No Brasil é assim: tudo pode ser adiado, menos o pagamento das dívidas externa e interna. E isso não é conversa de “esquerdista”. É coisa firmada na lei. Quem explica é Maria Lucia Fatorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida. Segundo os estudos feitos pelo movimento que luta por uma auditoria, levantados desde as informações oficiais, só no ano de 2010 o orçamento nacional foi consumido em 44,93% (635 bilhões de reais) para pagamento de juros das dívidas. Isso significa que do bolo todo que o governo tem para gastar quase a metade já nasce morto. Da outra metade que resta para investimentos, o governo gasta apenas 2,89% com educação e 3,91 com saúde. Por conta disso, mais de 60% dos brasileiros não tem água tratada nem saneamento. Isso na sétima economia do mundo.
Diante desses números, Fatorelli mostra como e por que a dívida acaba consumindo o dinheiro que deveria servir para dar uma vida melhor à população. Segundo ela, a Constituição, no artigo 166, estabelece que um deputado só pode pedir aumento no orçamento se indicar de onde virão os recursos. Mas se o aumento do orçamento incidir sobre o pagamento do serviço da dívida isso não é necessário. “Isso configura claramente um privilégio e foi aprovado. Está lá, na Constituição”. Da mesma forma, a Lei de Diretrizes Orçamentárias define que o orçamento deve ser compatível com o superávit, assim como a famigerada Lei de Responsabilidade Fiscal obriga os governantes a cortar gastos no social, mas não os dispensa do pagamento da dívida. Ou seja, a dívida sempre em primeiro lugar, pois, se o governante não pagar, vai preso. “Mas ninguém vai preso se as pessoas morrem nas portas dos hospitais, se as crianças não têm escola”.
Fatorelli explica que o privilégio para o pagamento da dívida segue no desenho das metas da inflação, diretriz de política monetária proposta pelo Fundo Monetário Nacional que é seguida a risca pelo governo brasileiro. Isso se expressou, por exemplo, na criação da taxa Selic, a qual boa parte da dívida esteve e está atrelada. Essa taxa sempre é elevada, cada vez que há um suposto perigo para os investidores. Isso significa que quem investe nos papéis da dívida nunca vai perder.
Conforme Maria Lúcia o governo trabalha com inverdades no que diz respeito à política monetária. Um exemplo é justamente esse de tornar necessário o aumento da taxa Selic para conter a inflação. “Isso não é verdade. Aumentar a taxa Selic não controla a inflação nos preços existentes, porque eles decorrem da privatização. A luz privatizada, a água privatizada, a saúde, etc. O aumento dessa taxa só serve aos que têm papéis da dívida”. Outra conversa furada é a de que o excesso de moeda provoque inflação. “A montanha de dólares que entra no país só acontece porque o próprio governo isenta as empresas multinacionais de imposto. Não é decorrente da circulação de mercadorias reais. É fruto do movimento virtual de papéis”.
A entrada de dinheiro se dá da seguinte forma. Nas operações de mercado aberto (bolsa) que hoje superam meio trilhão de reais, o Banco Central entrega títulos da dívida para os bancos e fica com os dólares. Nessas operações, o Banco Central – que em tese é o Estado brasileiro – só consegue amealhar prejuízos. Em 2009 foram 147 bilhões de prejuízos, em 2010, 50 bilhões e neste primeiro semestre de 2011 já foram 44 milhões. Por conta disso, Fatorelli insiste em dizer que os gestores do Estado são responsáveis sim por essa política que arrocha cada dia mais a vida do povo. Os bancos lucram e o povo é quem paga a conta.
Outra coisa que muito pouca gente sabe  - porque a mídia não divulga – é que todo o lucro das empresas estatais é direcionado, por lei, para pagamento da dívida. O mesmo acontece com os recursos que os estados da federação pagam ao governo central. Toda e qualquer privatização que acontece carrega o valor da venda para pagamento da dívida, assim como os recursos que não são utilizados no orçamento também passam para o bolo do pagamento da dívida.
Maria Lúcia Fatorelli afirma que essa é uma estratégia de manutenção de poder e acumulação que não mudou sequer um centímetro com o governo de Lula ou Dilma. Os papéis da dívida rendendo 12% ao mês são o melhor negócio que alguém pode ter. Tanto que em 2010 houve um acréscimo de mais 12 bilionários no Brasil e desse número, oito são banqueiros. A lógica do pagamento da dívida garante risco zero aos investidores, que são os mesmos que financiam as campanhas eleitorais e patrocinam a mídia. Assim, tudo está ligado.
No meio dessa farra de dinheiro público indo para bolsos privados, há uma ilusória distribuição da riqueza. O governo acena com pequenos ganhos aos pobres, como é o caso da bolsa família. Vejam que esse programa consome apenas 12 bilhões ao ano, enquanto a dívida leva 635 bilhões. O governo também coloca como um grande avanço o acesso das classes C e D a produtos baratos e o acesso a crédito e financiamento. Mas na verdade, o que promove é o progressivo endividamento dessas pessoas. Por outro lado, o Brasil tem um modelo tributário que é um dos mais injustos e regressivos. “Quem ganha até dois salários mínimos tem uma carga tributária bem maior do que os demais trabalhadores. E os ricos, no geral, são isentos de imposto. Já os empresários são frequentemente presenteados com deduções generosas, inclusive sobre despesas fictícias, que nunca foram feitas, enquanto os trabalhadores não podem deduzir do imposto despesas reais como aluguel, remédios, óculos”.
A ilusão de que as contas estão boas também se dá na espalhafatosa decisão de pagar adiantado ao FMI, que trouxe dividendos políticos a Lula, mas acarretou em mais rombos aos cofres públicos, tirando dos gastos sociais para colocar no bolso dos banqueiros. Foi um resgate antecipado de títulos da dívida, feito com ágio de até 70%, para que não houvesse qualquer perda aos investidores.
Agora em 2011 o governo de Dilma Roussef iniciou anunciando o corte de 50 bilhões do orçamento, como um “ajuste necessário”. Faltou dizer, necessário para quem? Para os especuladores. Há que pagar a dívida. O Brasil consome um bilhão de reais por dia no pagamento da dívida. Fatorelli procurar dar uma visão concreta do que seria um bilhão. “Imaginem um apartamento, desses bem finos, que custa um milhão de reais. Um bilhão equivaleria a cem edifícios de 10 andares, sendo um apartamento por andar. É isso que sai do nosso país todos os dias”.  Não é sem razão que enquanto os trabalhadores são massacrados e não recebem aumento salarial, os bancos tenham auferido um lucro de 70 bilhões de reais no ano passado. É a expressão concreta da regra do mundo capitalista: para que um seja rico, alguém tem de ser escravo.
Na verdade o processo da dívida externa e também da dívida interna deveria sofrer uma auditoria e é nessa luta que um grupo de pessoas anda já há algum tempo. Maria Lúcia Fatorelli foi membro da comissão que auditou as dívidas do Equador, quando o presidente Rafael Correa decidiu realmente saber como funcionava o rolo compressor e ilegal da dívida daquele país. Segundo ela, no Equador, comprovou-se que mais de 70% da dívida era ilegal, fruto de anos e anos de acordos espúrios e irresponsáveis, muito parecidos com os que foram feito no Brasil. Correa decidiu não pagar e 95% dos seus credores aceitaram a proposta sem alarde, pois sabiam que se fossem discutir na justiça internacional correriam o risco de ter de devolver muitos bilhões.
Hoje, no Brasil, uma auditoria provaria muitas ilegalidades e até crimes de lesa pátria. Como explicar, por exemplo, que se pague 12% ao mês aos investidores enquanto o Banco Central brasileiro aplica suas reservas em bancos estrangeiros, que pagam juros pífios? Como aceitar que o Banco Central acumule prejuízos enquanto encha as burras dos investidores dos papéis podres? Por isso que a tão falada crise não pode ser vista como uma mera crise financeira. Ela é social e ambiental, pois coloca o salvamento dos bancos acima até da vida do planeta.
Há um mito de que no mundo capitalista quem manda no movimento das coisas é o mercado. Ele define tudo, preços, valor, tudo baseado na oferta e procura. Assim, em nome desse mito criou-se a concepção de desregulamentação do mercado. Ou seja, o estado não pode interferir nesse movimento. Assim, o mercado, que é bem espertinho, sem um equivalente concreto de riqueza decidiu criar os famosos papéis podres, ou ativos tóxicos, ou derivativos. E o que é isso? Bom, para entender há que se fazer um bom exercício de abstração.  Imagine que a pessoa compra uma casa e ela vale um milhão. Aí a pessoa define que daqui a um ano ela estará valendo dois milhões, então vai ao mercado de ações e vende dois milhões em papéis. Desses dois milhões, apenas um tem valor real, está ali, consolidado em uma casa real. O outro milhão é fictício. Ele só existe no desejo.  Imagine que venha um furacão e danifique a casa. Lá se vai aquele milhão em papel podre, e quem comprou esses papéis perde tudo que investiu. Foi mais ou menos isso que aconteceu na crise imobiliária estadunidense.
Agora imagine que os bancos fazem isso todos os dias. Eles jogam ações no mercado e não precisam provar que essas ações têm uma correspondência real. Os derivativos são nada mais nada menos do que apostas. O mercado sabe que é uma aposta, e para não perder ele estabelece um seguro. Assim, se acontecer dos derivativos virarem pó, eles não perdem nada. E quem é que paga para os bancos continuarem quebrando a vida real dos que investem nos papéis podres? Nós. Porque quando os bancos entram em risco de quebra, como aconteceu lá nos Estados Unidos, o Estado vai e socorre. Para se ter uma idéia, na crise, o banco central estadunidense chegou a repassar 16 trilhões de dólares para salvar os bancos da bancarrota. O que mostra que é uma falácia esse negócio de “mercado livre”. O mercado só é livre quando há lucros, quando há prejuízos quem paga a conta é povo.
Então, quando aparece na televisão a crise na Grécia, os protestos na Espanha, na Itália, Irlanda, França e mesmo no Brasil, já se pode saber que o que está acontecendo é exatamente isso. Os países estão se endividando para salvar investidores e pagar as dívidas que contraem nessa roda viva de papel podre. Assim, define Fatorelli, a crise no setor financeiro dos países é falsamente transformada em crise da dívida. E os países então colocam sob os ombros do povo o pagamento de suas “apostas” mal feitas ou ilegais.
No Brasil a dívida externa chega a 350 bilhões e a dívida interna aos 2,5 trilhões. A dívida bruta consome 70% do PIB e o governo paga os maiores juros do mundo. É uma festa interminável para os investidores mundiais, sem risco algum. O governo de FHC consumiu, só em juros, dois trilhões de reais, o governo Lula, 4,7 trilhões. Tudo o que se diz na televisão sobre os problemas que o estado tem com o orçamento é mentira. Há dinheiro suficiente, mas ele é usado para enriquecer, sem riscos, os investidores. Não bastasse isso, ao longo dos anos, as taxas de juros, que garantem os maiores lucros do mundo, são definidas por “especialistas”. Desse grupo que orienta os juros 51% são representantes dos bancos e 35% representam o sub-grupo de gestão de ativos. Ou seja, eles atuam em interesse próprio. Só isso já bastaria para se dar início a uma séria investigação sobre o tema da dívida. Porque da forma como tudo acontece, assoma claramente a intenção do prejuízo à nação. Vem daí a proposta de uma auditoria, aos moldes da que fez o Equador. Mas, para isso precisaria haver uma decisão política. Por que será que ela não acontece? É hora de a gente pensar…

segunda-feira, setembro 26, 2011

A MORTE DA SAÚDE NO BRASIL


A questão primeira, é novamente a interpretação do art. 196 da Constituição Federal, que revela que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, mediante políticas sociais e econômicas.
As políticas sociais e econômicas exprimem a primeira forma de efetivação da saúde, visto que se as políticas impostas pelo Estado na área da saúde fossem suficientes para efetivação e conseqüente aplicação da prestação sanitária, desnecessário seria outras organizações, atividades como função de reparar a inércia estatal para com a saúde.
Conforme o relatório "A Saúde no Brasil", a CPMF foi uma forma que o governo achou de tentar sanar o problema da efetivação da saúde. Isto posto:
Em janeiro de 1997, começou a ser arrecadada a Contribuição Provisória sobre Movimentação financeira – CPMF, destinada ao atendimento de necessidades urgentes no setor. Com essa contribuição se esperava arrecadar cerca de 4,8 bilhões de dólares, que elevarão o orçamento federal da saúde em aproximadamente 30 %.
No entanto, diante dos vários números apresentados à saúde brasileira, é quase que óbvio que o dinheiro não foi destinado à saúde ou sendo insuficiente.
Outra questão a ser analisada é de que como já preconizava Konrad Hesse, falta "vontade de Constituição", vontade política de fazer valer os ditames constitucionais. Assim, ou se realiza o direito à saúde, designando todo o Estado Democrático de direito para com o cidadão, ou se desrespeita a dignidade humana, a Constituição e a vida.
Como a hermenêutica Constitucional externa o direito à saúde como um direito social, eivado de garantias pela Constituição, é mister que o Estado tenha uma efetiva atuação na consecução da saúde, exprimindo a justiça social também na prestação sanitária.
Mesmo que o direito à saúde necessite dos meios materiais necessários para sua efetivação, a Constituição Federal, através de inúmeros artigos que tratam da matéria, determina que os Poderes Públicos têm responsabilidade na área da saúde, e que nenhum dos entes federados componentes da República Brasileira pode eximir-se de tal obrigação. (...) A saúde não pode estar condicionada a discursos vago, promessas políticas e ideologias cambaleantes. A condição primordial para o desenvolvimento de qualquer regime democrático é a vida do ser humano, que não pode ser colocada em segundo plano por distorções ideológicas que têm como grande objetivo disfarçar os reais e egoísticos interesses implícitos em ditas falas.
Basta que se tenha vontade política para promoção, recuperação e defesa da saúde, não atuando e investindo somente nos interesses econômicos em detrimento aos direitos sociais.
De outra banda, o Poder Judiciário, em segundo plano tem a função basilar de "corrigir as eventuais desigualdades ocorridas no campo sanitário, desde que provocado. Isto porque é o órgão com competência para tal."
O Poder Judiciário atua posteriormente a não atuação estatal para com a saúde. Busca-se efetivar através deste a efetivação do direito à saúde, uma vez que o Poder Judiciário tem condições, dentro dos próprios ditames da Constituição de buscar soluções para garantir o direito à saúde. Primeiro, deve agir o Estado no cumprimento de seu papel, mediante as políticas sociais e econômicas para efetivação e aplicação do direito à saúde. Em um segundo momento, o Poder Judiciário tem prerrogativa constitucional para a consecução do direito sanitário, devido a não atuação estatal.
O Ministério Público, também tem a prerrogativa de zelar defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. E no que tange ao direito à saúde, encontramos previsão legal dispostos nos arts. 127 e 129, II e III da CF/88, conferindo legitimidade para tutela dos direitos difusos e coletivos. Além disso, o Ministério Público também é competente para cuidar dos serviços de relevância pública, no caso a saúde, conforme o art. 197 da Lei Fundamental.
A busca da efetivação dos direitos sociais, pela via processual ou extraprocessual, deve levar o Ministério Público à realização do acesso dos direitos fundamentais às milhões de pessoas que vivem à margem do direito. O caminho do Ministério Público, como instituição da sociedade, deve também, o de efetivação da saúde pública.
A jurisprudência também demostra o papel do MP na busca pelo direito à saúde, pois a ação ministerial encontra respaldo para propor ação civil pública e promover inquéritos policiais na defesa do direito à saúde, haja vista o interesse difuso e coletivo.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE - MINISTÉRIO PÚBLICO - SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - DIREITO COLETIVO. Tem o Ministério Público legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público e social visando à verificação da situação do Sistema Único de Saúde e sua operacionalização. "Recurso improvido". (Resp 124.236, STJ, Primeira Turma, Relator Min. Garcia Vieira, 31/03/1998, DJU 04/05/1998, p. 84).
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE - MPF E UNIÃO FEDERAL. O Ministério Público Federal está autorizado a ajuizar ação civil pública na defesa da moralidade pública e também para preservar a saúde pública (CF, art. 129, III). Ilegitimidade da União que não integrou a relação processual porque não é titular de direito algum. Recurso improvido. (AG 1997.01.00.050034-5, TRF1, Quarta Truma, Relatora Juíza Eliana Calmon, 04/02/1998, DJU 12/03/1998, p. 125.
A sociedade, através da participação popular, também pode agir e influenciar nos órgãos competentes, "no sentido de tutelar seus interesses, pois a saúde é um problema cuja solução não se restringe a um único agente."
Diante disto, a sociedade organizada "pode assumir a tarefa de defesa e proteção da saúde, utilizando-se dos meios processuais, como a ação civil pública ou ações civis coletivas, ou, caso necessite, representar ao órgão ministerial."
Por derradeiro, saúde é uma constante busca com o escopo primordial de realização da dignidade humana, externando-se como uma necessidade básica no exercício da cidadania e da qualidade de vida.
Vivemos em um Estado Democrático de Direito, e a saúde, neste aspecto, funciona como pressuposto da vida, "a saúde como qualidade de vida passa a ser necessidade primeira da democracia, como é o ar e a alimentação para sobrevivência do ser humano."

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho, dentro do limite a que se propôs, tratou de demostrar o problema do direito à saúde no brasil, buscando designar algumas alternativas para consecução do mesmo,
Partindo do pressuposto dos direitos fundamentais, tratou-se de externar toda a teoria e desencadeamento do mesmo, para por conseguinte chegar a uma definição de saúde.
Tomando por base, vários referenciais teóricos acerca dos direitos fundamentais, chegou-se a conclusão de que o direito à saúde, verdadeiro direito fundamental social e direito público subjetivo, tendo posição de destaque em nossa Constituição Federal, ao qual, não vem recebendo o devido tratamento que merece, fazendo com que seja desrespeitado os dispositivos constitucionais garantidores de tal direito.
O direito á saúde é dever do Estado, conforme versa o art. 196 da nossa Carta Magna, e diante disto, a saúde é elevada como um princípio constitucional de justiça social. Entretanto, a sua não-efetivação acarreta enormes disparates na sociedade, pois o estado não vem cumprindo o seu papel de prestador de serviços básicos e fundamentais a população na área da saúde, fazendo com que a dignidade humana e a qualidade de vida tenha baixos índices.
No Brasil, a saúde é externada de forma descentralizada, ou seja, todas as esferas do Estado tem a responsabilidade e o dever de promover e garantir a mesma, assim, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios tem o dever constitucional de garantir a saúde para os cidadãos. Nesse, sentido, Sistema Único de Saúde - SUS, haja vista a s leis infraconstitucionais que o exprimem. É o processo adotado para a consecução da saúde, todavia, este não vem conseguindo alcançar seu escopo, devido a uma série de descasos do Poder Público para com a saúde. Isto evidencia a inércia do Estado e a proliferação da não qualidade de vida dos cidadãos, fazendo com que a saúde se torne um direito de difícil concretização.
Entretanto, os dispositivos constitucionais que dão guarida ao direito à saúde são claros ao estabelecer os parâmetros para garantia/eficácia da saúde, contudo, não vem sendo respeitados pelo Estado, que ao não atuar de forma efetiva, faz com que a saúde seja mais um dos problemas enfrentados pela população.
Por derradeiro, a presente pesquisa buscou demostrar conceitos e dados sobre o direito à saúde, externando como se dá o mesmo, de que forma é organizado pelo Estado, e quais os dispositivos constitucionais que a garantem como um direito fundamental social. Diante disto, chegou-se a conclusão de que, após uma série de análises e estudos dos direitos fundamentais, tomando por base o seio da melhor doutrina constitucional, exprimindo como se dá as garantias, eficácias e positivação dos mesmos, bem como toda a interpretação histórica e filosófica no âmbito do direito constitucional, os direitos fundamentais, dotados de enorme qualificação na nossa Carta Magna, externa a posição de destaque do direito à saúde.
Isto posto, o direito à saúde se consubstancia como um verdadeiro direito fundamental social, dotado de características prestacionais por parte do Estado, revelando seu caráter de direito público subjetivo.
Assim, o Brasil tem vastas seqüelas da não efetivação do direito à saúde, revelando todo descaso e para com o mesmo, haja vista a base de dados externada na presente pesquisa.
Nos resta concluir que deve o Poder Público, a sociedade organizada e em última instância, o Poder Judiciário, na prerrogativa de fazer valer os dispositivos constitucionais, efetivar o direito à saúde e designar ao mesmo todo seu caráter de direito fundamental, dando ao direito sanitário seu referido valor dentro da Lei Maior de 1988.
A principal doença no pais vem da classe politica com uma enfermidade moral sem precedentes agravada com a deficiência mental dos governantes que se sucedem na corrupção cronica da militância politica dos interesses partidários e pessoais, enquanto o povo sofre entre filas e descasos inconstitucionais, a ganancia impera nos poderes nacionais, nada mais importa.

quarta-feira, setembro 21, 2011

REDE SOCIAL


As pessoas saíram em passeatas para protestar contra a corrupção, o sucateamento da educação, e por reforma agrária e auditoria da dívida pública, entre outros temas. E fizeram questão de imprimir às manifestações caráter apartidário. Quem se atrevesse a desfilar com sigla de partido político era imediatamente rechaçado. Ali, no 7 de setembro, uniram-se o Grito dos Excluídos e o grito dos indignados.
As ruas do Brasil, até então acostumadas a ver, nos últimos tempos, apenas manifestações de evangélicos, gays e defensores da liberação da maconha, voltaram a ser palco de pressão política e reivindicação popular.
O poder convocatório das redes sociais é inegável. Elas possuem uma capilaridade que supera qualquer outro meio de comunicação. E carecem de censura ou editoração falaciosa.
Há, contudo, duas limitações que podem afetar seriamente os efeitos da mobilização internáutica. A primeira, a falta de proposta. Não basta gritar contra a corrupção ou aprovar a faxina operada pela presidente Dilma Rousseff. É preciso exigir reforma política, e propor critérios e métodos.
Reforma política com o atual Congresso – composto, em sua maioria, por parlamentares capazes de absolver uma deputada federal flagrada e filmada recebendo propina – é acreditar que Ali Babá é capaz de punir os 40 ladrões…
É preciso, primeiro, reformar, ou melhor, renovar o Congresso para, em seguida, obter reforma política minimamente decente. De modo que sejam instituídos mecanismos que ponham fim às duas irmãs gêmeas madrinhas da corrupção: a imunidade e a impunidade.
Essa renovação deve se iniciar, ano que vem, pela eleição de prefeitos e vereadores, todos submetidos ao crivo da Ficha Limpa, e pressionados a apresentar metas e objetivos, como propõe o Movimento Nossa São Paulo.
A segunda limitação é o caráter apartidário das manifestações. Em si, é positivo, pois impede que algo nascido da mobilização cidadã venha a se converter em palanque eleitoral deste ou daquele partido político.
Porém, na democracia não se inventou algo melhor para representar os anseios da população que partidos políticos. Eles fazem a mediação entre a sociedade e o Estado. O perigo é as manifestações não resultarem na eleição de candidatos eticamente confiáveis e ideologicamente comprometidos com as reformas de estruturas, como a política e a agrária. Ou desaguar no pior: o voto nulo.
Quem tem nojo de política é governado por quem não tem. E os maus políticos torcem para que tenhamos todos bastante nojo de política. Assim, eles ficam em paz, entretidos com suas maracutaias, embolsando o nosso dinheiro e ampliando suas mordomias e seus patrimônios.
As redes sociais são, hoje, o que a ágora era para os gregos antigos e a praça para os nossos avós – local de congraçamento, informação e mobilização. Foram elas que levaram tunisianos e egípcios às ruas para derrubar governos despóticos. São elas que divulgam, em tempo real, as atrocidades praticadas pelas tropas usamericanas no Iraque e no Afeganistão.
As redes sociais têm, entretanto, seu lado obscuro e perverso: a prostituição virtual de adolescentes que exibem sua nudez; o estímulo à pedofilia; a difusão de material pornográfico; o incitamento à violência; a propaganda de armas; o roubo virtual de senhas de cartões de crédito e contas bancárias.
Espero não tardar o dia em que as escolas introduzirão em seus currículos a disciplina Redes Sociais. Crianças e jovens serão educados no uso dessa importante ferramenta, aprimorando o olhar crítico, o senso ético e, em especial, a síntese cognitiva, de modo a extrair sentidos ou significações do incessante fluxo de informações e dados.
Graças à internet, qualquer usuário pode se arvorar, agora, em sujeito político e protagonista social, abandonando a passivo papel de mero espectador. Resta vencer o individualismo e o comodismo e sair à rua para congregar-se em força política

segunda-feira, setembro 19, 2011

O OVO DA SERPENTE



Os supersalários não são exclusividade do Poder Executivo, da Câmara e do Senado. Valendo-se de regras que excepcionalizam diversas situações, ministros, desembargadores e juízes Brasil afora extrapolam o valor do teto constitucional, hoje de R$ 26.723,13 por mês, alguns chegando à beira dos R$ 59 mil mensais. Mas é tudo legal, porque, apesar de o texto da Constituição ser rigoroso na determinação de que ninguém pode receber mais que essa cifra, normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) excluem várias verbas do cálculo do teto. Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, a sociedade e a Constituição são desrespeitadas pelo grande número de exceções previstas nessas normas interpretativas.
O presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, Cézar Peluso, preferiu não comentar o assunto. O Supremo defende no Congresso um projeto que eleva o atual teto para mais de R$ 30 mil mensais, ao custo de R$ 464 milhões por ano, apesar das resistências do governo de Dilma Rousseff.
O próprio CNJ tem um conselheiro que ganhou R$ 27.757,99 em julho. É o que mostra levantamento feito a partir das folhas de pagamento de tribunais superiores e federais em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Brasília. As folhas contêm os valores e os cargos dos beneficiados, mas não seus nomes. De 976 magistrados pesquisados, a reportagem identificou 69 com salários acima do teto entre maio e agosto, mesmo após retirar da conta ganhos como 13º e férias. Considerando que até seis ministros do Supremo podem ganhar mais que seus subsídios, pelas informações obtidas pela reportagem, esse contingente pode chegar a 75 magistrados, ou 8% do total.
Ao todo, esses 75 magistrados receberam mais de R$ 2 milhões em salários por mês. Se todas essas remunerações acima do teto fossem comprovadamente ilegais, os pagamentos irregulares somariam pelo menos R$ 32 mil.
O Conselho Nacional de Justiça diz que o conselheiro que recebeu R$ 27.757,99 em julho “certamente” está embasado em exceções ao teto. O CNJ não informa quem é ele, cuja remuneração não é paga pelo conselho, mas por seu órgão de origem – que pode ser o Supremo Tribunal Federal (STF) ou até o Ministério Público da União, por exemplo.  A assessoria de Cézar Peluso, presidente do Supremo e do CNJ, afirma que ele não é o conselheiro com salário de R$ 27.757,99.
No Supremo Tribunal Federal, os seis ministros efetivos e substitutos que exercem trabalhos no Tribunal Superior Eleitoral – Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Dias Toffolli e Luiz Fux – também têm condições de receberem mais que o subsídio. Eles acumulam a remuneração no STF com jetons do TSE, de R$ 801,69 por sessão, verba limitada a oito sessões por mês ou 16 em período eleitoral. Com isso,a remuneração desses seis ministros pode chegar a R$ 33.136,68 ou até R$  R$ 39.550,23. Mas o valor é legal. Além de resolução do CNJ, um julgamento do próprio Supremo excluiu esses jetons do cálculo do teto.
Ao contrário dos outros tribunais, o Supremo não está obrigado a publicar suas folhas de pagamento na internet. Uma resolução do CNJ isentou a corte máxima do Brasil dessa medida de transparência.
Abono de permanência
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ministro Ari Pargendler recebeu R$ 28.316,37 em maio passado, o que incluiu uma verba de pouco mais de R$ 1 mil por ser o presidente da corte. Outros 14 ministros receberam R$ 28.179. Um ministro recebeu R$ 29.054, graças a um auxílio, que pode ser um tíquete-alimentação, por exemplo. A assessoria do STJ explica que tudo é legal e não pode ser considerado extra-teto. Isso porque os 16 ministros recebem abono de permanência, um benefício concedido a todo funcionário público que completa o tempo para pedir a aposentadoria, mas decide continuar no trabalho. Uma resolução do CNJ exclui essa verba do cálculo do teto.
No Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que atua em São Paulo e no Mato Grosso do Sul, três desembargadores ganharam quase R$ 59 mil em julho. Mas R$ 32 mil dos R$ 58.927,37 do salário bruto se referiam a “vantagens eventuais”, como férias e 13º. Mas mesmo descontando essa remuneração legal, a renda desses magistrados ficava acima do teto . Feitos os mesmos descontos, outro desembargador ganhou R$ 28.465. A assessoria do TRF-3 não prestou esclarecimentos ao site antes do fechamento desta reportagem.
Julgamento dos supersalários
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região e a Justiça Federal de Brasília abriga 17 desembargadores ganhando mais que R$ 26.723 e, a princípio, estourando o teto constitucional. Um desembargador ganhou R$ 28.465 no mês passado. Os outros, R$ 26.770. A reportagem ainda localizou  14 servidores em situação semelhante.
O órgão especial do TRF-1 é quem vai julgar as ações do Ministério Público contra a Câmara e o Senado envolvendo os supersalários de senadores, deputados e servidores. Auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) identificaram pagamentos de rendimentos de até R$ 35 mil no Senado e ainda apuram casos na Câmara. Forçadas por decisões de primeira instância, as duas Casas cortaram os salários de acima do teto, mas suspenderam a obrigação no tribunal.
As assessorias do TRF e da Justiça Federal de Brasília não responderam ao pedido de esclarecimentos para explicar porque o pagamento supostamente acima do teto estava sendo feito. Também não comentaram se algum desembargador poderia se considerar suspeito para julgar a causa dos supersalários do Legislativo. O presidente do CNJ e do Supremo, Cézar Peluso, não quis se pronunciar sobre o caso. “O ministro só se pronuncia sobre casos concretos que cheguem à Suprema Corte ou ao CNJ, na qualidade de presidente dos dois órgãos”, afirmou sua assessoria.
Excesso de exceções
Auditor do TCU, órgão que apura os supersalários da Câmara, o candidato a ministro do Tribunal de Contas Rosendo Severo acha “complicado” para um desembargador com salário de mais de R$ 26.723 julgar um assunto desses. “Ele deveria se declarar impedido”, disse Rosendo ao site.
O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, entende que há um “excesso de exceções” nas regras que livram determinadas verbas do cálculo do teto. Para ele, há interpretações da Constituição que equivalem a salários indiretos, o que desrespeita a vontade da sociedade e dos legisladores da maior lei do país. “Todas as vezes que há um desrespeito à Constituição, há um desrespeito à vontade do povo”, criticou Ophir. “As interpretações não se compatibilizam com o sentimento do legislador. A vontade do legislador constitucional era de haver apenas um subsídio e todos os salários ficarem limitados a isso.”
O presidente da OAB disse ser normal que 13º salário e férias não entrem na conta. Entretanto, estender isso para remunerações de caráter habitual, como abono de permanência e funções comissionadas, no caso do Legislativo, seria uma condescendência indevida.
“As exceções deveriam ser realmente exceções”, concorda o auditor do TCU Rosendo Severo. Quando o assunto é teto, a Constituição é “rigorosa” e “moralizadora”. “Está havendo uma flexibilização do texto”, reclama Rosendo.
Por meio de sua assessoria, o presidente do CNJ e do Supremo não quis comentar se as exceções hoje existentes eram exageradas. “As regras para o cálculo do teto foram definidas pela Constituição Federal. Não cabe ao ministro Peluso avaliá-las”, disse a assessoria do ministro.